Cresci ouvindo falar dos Sete Povos das Missões.
Desde os primeiros anos na escola, a fachada das ruínas de São Miguel era uma
imagem constante nos livros e lições de história, porém não passava disso: um
cenário sem grande significado em nossas cabecinhas de criança. Depois o tempo
passou e as gravuras ficaram lá, nas páginas dos livros, quase esquecidas e
amarelecidas. Visitar aqueles locais faz toda a diferença, por detrás de cada
pedra, de cada sombra, a História nos espreita e fala conosco.
Na sexta-feira, dia 09 de maio, por volta de 9:45
da manhã, chegávamos a Santo Ângelo, depois de 5 horas na estrada. Inicialmente
somos recepcionados por nosso guia de viagem e por alguns índios guaranis,
entre eles seu cacique, que nos contam um pouco sobre sua cultura, suas danças
e hábitos peculiares. Em seguida nos deslocamos até a catedral localizada na
praça central da cidade, que nos desafia com sua imponência, seus altos
campanários avermelhados e seu interior ricamente trabalhado. Em cada vitral,
em cada entalhe manual, um pouco do passado remoto parece ganhar vida. Enquanto
admiramos a tudo e fazemos fotos da bela arquitetura, fiéis entram em silêncio
para orar. A espaçosa praça que emoldura a igreja ainda guarda o mesmo formato
da época em que por ali habitavam os guaranis e os missionários jesuítas.
Logo após o almoço nos dirigimos ao Santuário do
Caaró, localizado a cerca de uma hora de viagem, onde três missionários foram
sacrificados pelos guaranis em 1628, enquanto tentavam realizar seu trabalho de
conversão daquele povo à religião católica. No lugar do martírio dos padres
existe hoje uma pequena capela, um memorial que serve também de local de oração
e uma trilha que conduz até o local onde ocorreram as mortes. É impossível
caminhar por este lugar sem imaginar e sentir um pouco como a vida devia ser
difícil naquele tempo, com tantas limitações, falta de recursos e pobreza. Fico
pensando por quantas provações devem ter passado estes padres, europeus que de
repente se viram numa terra totalmente desconhecida e hostil, povoada por
tribos de indígenas nem sempre amigáveis.
Após esta visita contemplativa e de certa forma
tristes pelos fatos acontecidos ali, partimos em direção ao ponto alto de nossa
excursão: o sítio arqueológico de São Miguel.
Diferentemente dos outros sítios dos Sete Povos,
São Miguel é um parque turístico que faz parte do Patrimônio da Humanidade,
recebendo inclusive ajuda da UNESCO. Logo na entrada, as majestosas ruínas da
cidadela impressionam por sua grandiosidade. Ao entrar no parque, somos
recepcionados por alguns guaranis ainda remanescentes, que hoje vendem
artesanato e tiram fotos com os visitantes. O que restou da enorme construção
que era a igreja principal, mais parece um castelo, considerando-se o seu
tamanho. Levou cerca de três anos para ser construída, tendo seu auge lá pelos
anos de 1740. O local todo é enorme, tendo-se em vista que ao redor da capela
funcionavam escolas, ateliês de artesanato dos padres jesuítas, locais onde se
ensinava canto sacro e lírico e muitas casas de moradia, pois a comunidade
inteira abrigava um contingente de milhares de índios guaranis.
Ao se caminhar por entre o que restou das
construções centenárias, parece que a qualquer momento vamos topar com um padre
jesuíta ou com as alegres crianças guaranis, cantando suas músicas e danças
cerimoniais. Aquelas imagens quase esquecidas das aulas de história de repente
ganham vida em minha mente, trazendo de volta o passado do Rio Grande do Sul,
com suas glórias e sangrentas batalhas. Passamos cerca de uma hora e meia no
local, admirando e explorando cada cantinho, tentando entender e dialogar com
aqueles dias hoje tão distantes.
Já no início da noite que começa a esfriar, acomodamo-nos
nas rústicas arquibancadas de pedra para acompanhar uma espécie de teatro a céu
aberto, em que refletores se acendem por entre as ruínas de pedra, enquanto
vozes gravadas e uma bela trilha sonora nos contam sobre os dias gloriosos da
velha Missão. Durante mais de 40 minutos, ficamos sabendo sobre sua construção,
organização e modo de vida, bem como a derrocada final, com a morte do chefe
índio Sepé Tiarajú e completa destruição do lugar pelas forças portuguesas e
espanholas, em 1756. O espetáculo todo é pleno de dramaticidade e emoção, para
aqueles que estão devidamente preparados.
Calmamente todos se levantam e deixam o parque já
reclamando do frio que aumenta com o avanço da noite, porém satisfeitos e
sabedores de que um capítulo importante de nossa história será a partir de
agora visto de forma muito diferente. De repente, muito mais do que ler sobre
os Sete Povos das Missões, todos sentimos que a História saiu das páginas dos
livros para fazer parte de cada um de nós.
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